Satanismo no Século XXI
Sempre envolto em mistérios, satanismo chega ao século 21 como movimento difuso mas assustador
Cenas de horror, cerimônias macabras, sacrifícios de animais e crianças; poções fumegantes, amuletos misteriosos, trajes negros; tridentes, capas vermelhas, pentagramas. Tais elementos, cuja origem se perde no tempo, simbolizam a veneração à figura mais detestada da história da humanidade. Diabo, Lúcifer, Belial ou Leviatã são seus nomes clássicos; demo, capeta, coisa-ruim, encosto ou tinhoso, as formas populares de chamar o príncipe das trevas. A personificação do mal sempre teve lugar de destaque nos corações dos homens, seja para adorá-la ou repudiá-la. Com muitas formas e representações, dependendo da época e do lugar onde se fala dele, a figura de Satã (do hebraico Satan, ou “aquele que se opõe”) sempre despertou uma repugnância temerosa. Seu período de maior esplendor, se é que se pode usar o termo em referência a tal criatura, foi na Idade Média, quando um misto de superstições religiosas e ignorância moldou sua imagem mais conhecida, com cabeça de bode, capa vermelha, olhos flamejantes e chifres pontiagudos.
Mas o diabo é muito mais do que isso. Tentador, pai da mentira, acusador e inimigo das almas são algumas maneiras pela qual a Bíblia o trata. E ele já pintou e bordou ao longo das eras. Sua atuação é apontada como causa de ódios, desavenças e guerras. Pobre de quem se envolvesse com ele. A caçada às bruxas, impulsionada pelo rigor dos tribunais de Inquisição, redundou na captura de milhares de pessoas acusadas de feitiçaria e lhes impôs variados tipos de penas, que podiam ir do confisco de bens até a morte em fogueira. Nesse contexto, o então denominado satanismo se desenvolveu estimulado por diversos fatores, sobretudo pela contrapropaganda inquisitória que – no ímpeto de localizar e denunciar indivíduos considerados diabólicos – acabou por disseminar o estereótipo.
Mas a suposta ação do mal, que tem sido um simples temor ancestral desde o início dos tempos, vem adquirindo contornos macabros a cada vez que alguma atitude humana é considerada inspirada pelo demo. E nada tem sido tão assustador nesse aspecto quanto a sucessão de crimes atribuídos a ritos satânicos. Apesar das contradições entre o que se diz e o que se faz presumindo ser satanismo, é fato que, em pleno século 21, uma era tida como do conhecimento e do desenvolvimento científico, a proliferação de homicídios dessa natureza é assustadora. Cada vez mais recorrentes e horripilantes, tais crimes vêm se multiplicando em noticiários policiais, com vítimas geralmente menores e incapazes. Como foi o caso da menina Dyeniffer Santos, de 12 anos. Em junho de 2009, a garota foi morta com um golpe no pescoço, por Efigênia Balbinos, sua vizinha em Uberlândia (MG), para que o sangue da menina fosse espargido sobre um bebê de seis meses. Segundo a criminosa, seu marido, que está preso, sofria de uma maldição e a oferenda tinha por objetivo removê-la. A crendice doentia da mulher, que contou com a ajuda de várias outras pessoas e um adolescente de 15 anos, culminou no esquartejamento do corpo de Dyeniffer que posteriormente foi descartado em diferentes pontos da cidade, de acordo com o Ministério Público.
Uma suposta ordem do diabo também teria sido a motivação para que Otty Sanchez apunhalasse, decapitasse e comesse partes de seu filho, Scott-Wesley Buchholtz Sanchez, de apenas um mês de vida. A polícia de San Antonio, cidade localizada no estado americano do Texas, onde o crime foi cometido em julho de 2009, informou que a própria mãe da criança confirmou a motivação do homicídio. Outro fato chocante ocorreu na cidade de Yaroslavl, na Rússia, em junho de 2008. Quatro adolescentes com idades entre 16 e 17 anos receberam 666 facadas cada um após terem sido embriagados por um grupo de satanistas. Segundo a polícia, os corpos foram cozidos antes de serem devorados pelos criminosos. Pelo menos oito suspeitos foram presos. Um deles confessou o envolvimento em outra operação satanista durante a qual teria comido o coração de uma criança recém-enterrada, após violar seu túmulo. “Satã vai me ajudar a sair dessa, pois fiz muitos sacrifícios para ele”, declarou um dos presos acusados pelo assassinato dos jovens. Nikolai Ogolobyak foi apontado pelas autoridades como líder da quadrilha.
Medo e incredulidade – Relatos de ocorrências macabras assim volta e meia assustam o mundo, o que leva a pensar no que estaria por trás da bestialidade humana, se a pura perversidade ou de fato uma influência maligna. Acontece que o satanismo não mostra o rosto. A maior dificuldade é justamente encontrar quem fale pelo movimento – por isso mesmo, ele desencadeia as mais variadas reações, do medo à incredulidade. Já no blog satanista brasileiro Recanto do opositor – Satanismo sem malvadeza, o autor, que se identifica como Vitor V., indigna-se com seus pares pelo fato de no Brasil nada ser feito para que a imagem do ‘satanista adorador do capeta’ seja desfeita. “Somos individualistas e não congregacionalistas”. argumenta. Na verdade, a teoria básica do movimento é mais comportamental que religiosa. Ela consiste na valorização das liberdades individuais e do hedonismo, aí entendido como um contraponto aos dogmas religiosos – leia-se cristãos – considerados restritivos da potencialidade humana.
O sumo sacerdote da Igreja de Satã, nos Estados Unidos – entidade criada por Anton Szandor LaVey em 1966 (ver quadro) –, Peter Howard Gilmore, diz que o satanismo em si foi muito mais difundido devido à internet. Segundo ele, há pessoas que realmente adoram o diabo cristão, aquele mencionado na Bíblia, e lhe fazem rituais, pactos de sangue e até vendem a alma. No Brasil, onde já existem grupos organizados como a Fraternidade Templi Satanis, no Rio de Janeiro, e a Igreja de Lúcifer em Porto Alegre (RS), os satanistas ainda se articulam para criar uma associação nacional.
Para o pastor e teólogo Jorge Videira, professor da Faculdade de Educação Teológica das Assembleias de Deus (Faetad), o satanismo moderno é bem distante daquele do imaginário popular, o das seitas ocultistas e missas negras. “No seu livro sagrado, a Bíblia Satânica, eles são orientados a não se declarar necessariamente anticristãos. Mas para eles, o diabo bíblico não existe, e o satanismo atua como uma força de resistência”, explica. Segundo ele, o pior está por vir. “Segundo a Bíblia, no fim dos tempos o amor de muitos esfriará. Após o arrebatamento da Igreja, o Anticristo vai governar em cima de uma religião que já se encontra presente entre nós”, diz, referindo-se ao quadro profético traçado pelo livro do Apocalipse.
Por outro lado, o pesquisador também enxerga uma apropriação indevida do conceito satanista em determinados casos. “Existem os bruxos, esotéricos e praticantes de magia”, enumera, esclarecendo que, em sua opinião, nem todos eles podem ser considerados satanistas na acepção normalmente atribuída ao termo, “bem como uma ramificação denominada Dabbles satânicos, que são grupos de adolescentes que se dizem satanistas e praticam rituais onde às vezes sacrificam gatos ou cachorros”, aponta. No entanto, tais práticas, no entender de Videira, estão muito mais ligadas ao culto à personalidade ou à pura imbecilidade do que ao chamado senhor das trevas.
De fato, fervem no mesmo caldeirão – com trocadilho, claro – do satanismo uma série de elementos que não necessariamente têm a ver com o príncipe das trevas. Até mesmo personagens de ficção, como o bruxinho Harry Potter, que arrasta multidões de crianças e adolescentes aos cinemas a cada um de seus filmes, ou a série Crepúsculo, que anda fazendo o maior sucesso no Brasil e no mundo, têm sido associados ao mal (ver quadro). Por outro lado, pastores e pais evangélicos sempre torcem o nariz para o Halloween, tradição americana cuja origem remonta ao paganismo dos antigos celtas e que tem ganhado apelo entre crianças e jovens brasileiros. A cada 31 de outubro, fantasias de diabo, duendes e feiticeiros saem dos armários, numa estranha fusão de brincadeira com ocultismo. Tenha ou não razão quem assim pensa, para os cristãos os ardis do maligno não são coisa com que se deva brincar. O pastor João Martinez, pesquisador, teólogo e presidente do Centro Apologético de Pesquisas Cristãs (CACP), lembra que a maior intenção de Satanás é justamente realmente fazer as pessoas acreditarem que ele não existe. “Na atualidade, o diabo pretende ser estratégico. Por que então iria lançar mão de semânticas desgastadas?”, questiona.
Já no entender do pastor Jayro Soares, teólogo sistemático da Escola de Pastores de Niterói (RJ), as pessoas hoje estão apelando para o satanismo para ter mais uma opção para suas vidas. “Esses estão em busca de si próprios. Enquanto o protestantismo trabalha com a verdade fundamental, os satanistas fazem um sincretismo religioso do culto ao prazer com o individualismo”, descreve. “Não ocorre mais aquela situação drástica de envolvimento com a magia negra. Esse movimento está mais vinculado ao que a gente recebe da mídia do que a satanistas propriamente ditos”, avalia.
Ataque à Igreja – Para muitos setores evangélicos, o satanismo ganhou visibilidade principalmente no período em que muito se falava em batalha espiritual, há coisa de 20 anos. Tornou-se um certo modismo encarar todo e qualquer contratempo na vida do cristão como uma oportunidade para demonstração de fé beligerante contra as hostes malignas. Foi a época de obras como Este mundo tenebroso, do americano Frank Perretti, que provocou alarme nas igrejas por enfatizar a realidade da ação do diabo em nossos dias. Outra que fez de suas obras um alerta contra o mal é Rebecca Brown, pseudônimo de Ruth Irene Bailey, autora de livros que ainda vendem muito, tais como Ele veio para libertar os cativos (1986), Prepare-se para a guerra (1987) e A pequena pobre bruxa. Este último alerta contra a infiltração de pessoas ligadas ao satanismo nas igrejas cristãs – uma antiga suspeita em que muitos crentes acreditam piamente, mas que jamais foi comprovada de fato.
Na visão da escritora, o satanismo é muito mais que uma mera forma de encarar as coisas ou uma contestação irônica aos dogmas das igrejas. “Os satanistas assumem enganosamente a profissão de fé cristã. Infiltram-se nas igrejas para disseminar ensinos e doutrinas falsas, porém, de grande aceitação”, diz num de seus livros. Já no Brasil, a pessoa considerada por seus seguidores como maior especialista em batalha espiritual é Neuza Itioka, apóstola do Ministério Ágape Reconciliação, em São Paulo. Ela defende que pastores e ministérios inteiros podem estar sob influência demoníaca. “A Igreja precisa de cura, de libertação. A nossa visão é que, assim como um indivíduo pode necessitar de libertação e cura, da mesma forma a saúde espiritual de uma igreja local precisa ser, em certos casos, restaurada”, declara, em seu livro A noiva restaurada (Editora Naós). Para Neuza, se o diabo age em estruturas sociais e políticas, pode muito bem fazer das suas no ambiente eclesiástico. Ela até postula uma tese polêmica, a de que mesmo crentes em Jesus genuínos podem ficar endemoninhados.
O pastor Natanael Rinaldi, coordenador do Instituto Cristão de Pesquisas (ICP), explica que é preciso diferenciar bem os três níveis de atuação dos espíritos malignos sobre as pessoas: a tentação, a opressão e a possessão. “O cristão pode ser tentado e até oprimido, mas dificilmente ficará possesso. Isso se o Espírito de Deus realmente estiver fazendo nele morada, conforme diz I Coríntios 9.19-20”, cita. Rinaldi diz ter certas reservas em relação ao envolvimento do satanismo moderno com todos os homicídios que são relatados como resultado de magia negra, mas não enxerga contradições entre a essência dos ritos satânicos tradicionais e a bruxaria. “A origem é a mesma. O apóstolo Paulo já nos adverte de que o diabo por vezes se disfarça de anjo de luz.”
“Satanismo quer passar imagem anarquista”
Ele está disposto a revelar a verdade sobre os bastidores do movimento satanista. Neo Montenegro usa este nome, fictício, porque se diz ameaçado por seguidores do diabo. Autor do livro Crimes satânicos (Editora Naós), ele conta que se deparou com as piores atrocidades que um ser humano pode cometer. Segundo ele, crianças, mulheres e até homens adultos aparecem em vídeos que são veiculados na internet, tendo seus olhos arrancados, pés e mãos amputados e sofrendo violência sexual. Até episódios de canibalismo fazem parte das cenas chocantes de vídeos snuffs (em que ocorre a morte dos protagonistas) que são retratados no livro.
Mas o diabo é muito mais do que isso. Tentador, pai da mentira, acusador e inimigo das almas são algumas maneiras pela qual a Bíblia o trata. E ele já pintou e bordou ao longo das eras. Sua atuação é apontada como causa de ódios, desavenças e guerras. Pobre de quem se envolvesse com ele. A caçada às bruxas, impulsionada pelo rigor dos tribunais de Inquisição, redundou na captura de milhares de pessoas acusadas de feitiçaria e lhes impôs variados tipos de penas, que podiam ir do confisco de bens até a morte em fogueira. Nesse contexto, o então denominado satanismo se desenvolveu estimulado por diversos fatores, sobretudo pela contrapropaganda inquisitória que – no ímpeto de localizar e denunciar indivíduos considerados diabólicos – acabou por disseminar o estereótipo.
Mas a suposta ação do mal, que tem sido um simples temor ancestral desde o início dos tempos, vem adquirindo contornos macabros a cada vez que alguma atitude humana é considerada inspirada pelo demo. E nada tem sido tão assustador nesse aspecto quanto a sucessão de crimes atribuídos a ritos satânicos. Apesar das contradições entre o que se diz e o que se faz presumindo ser satanismo, é fato que, em pleno século 21, uma era tida como do conhecimento e do desenvolvimento científico, a proliferação de homicídios dessa natureza é assustadora. Cada vez mais recorrentes e horripilantes, tais crimes vêm se multiplicando em noticiários policiais, com vítimas geralmente menores e incapazes. Como foi o caso da menina Dyeniffer Santos, de 12 anos. Em junho de 2009, a garota foi morta com um golpe no pescoço, por Efigênia Balbinos, sua vizinha em Uberlândia (MG), para que o sangue da menina fosse espargido sobre um bebê de seis meses. Segundo a criminosa, seu marido, que está preso, sofria de uma maldição e a oferenda tinha por objetivo removê-la. A crendice doentia da mulher, que contou com a ajuda de várias outras pessoas e um adolescente de 15 anos, culminou no esquartejamento do corpo de Dyeniffer que posteriormente foi descartado em diferentes pontos da cidade, de acordo com o Ministério Público.
Uma suposta ordem do diabo também teria sido a motivação para que Otty Sanchez apunhalasse, decapitasse e comesse partes de seu filho, Scott-Wesley Buchholtz Sanchez, de apenas um mês de vida. A polícia de San Antonio, cidade localizada no estado americano do Texas, onde o crime foi cometido em julho de 2009, informou que a própria mãe da criança confirmou a motivação do homicídio. Outro fato chocante ocorreu na cidade de Yaroslavl, na Rússia, em junho de 2008. Quatro adolescentes com idades entre 16 e 17 anos receberam 666 facadas cada um após terem sido embriagados por um grupo de satanistas. Segundo a polícia, os corpos foram cozidos antes de serem devorados pelos criminosos. Pelo menos oito suspeitos foram presos. Um deles confessou o envolvimento em outra operação satanista durante a qual teria comido o coração de uma criança recém-enterrada, após violar seu túmulo. “Satã vai me ajudar a sair dessa, pois fiz muitos sacrifícios para ele”, declarou um dos presos acusados pelo assassinato dos jovens. Nikolai Ogolobyak foi apontado pelas autoridades como líder da quadrilha.
Medo e incredulidade – Relatos de ocorrências macabras assim volta e meia assustam o mundo, o que leva a pensar no que estaria por trás da bestialidade humana, se a pura perversidade ou de fato uma influência maligna. Acontece que o satanismo não mostra o rosto. A maior dificuldade é justamente encontrar quem fale pelo movimento – por isso mesmo, ele desencadeia as mais variadas reações, do medo à incredulidade. Já no blog satanista brasileiro Recanto do opositor – Satanismo sem malvadeza, o autor, que se identifica como Vitor V., indigna-se com seus pares pelo fato de no Brasil nada ser feito para que a imagem do ‘satanista adorador do capeta’ seja desfeita. “Somos individualistas e não congregacionalistas”. argumenta. Na verdade, a teoria básica do movimento é mais comportamental que religiosa. Ela consiste na valorização das liberdades individuais e do hedonismo, aí entendido como um contraponto aos dogmas religiosos – leia-se cristãos – considerados restritivos da potencialidade humana.
O sumo sacerdote da Igreja de Satã, nos Estados Unidos – entidade criada por Anton Szandor LaVey em 1966 (ver quadro) –, Peter Howard Gilmore, diz que o satanismo em si foi muito mais difundido devido à internet. Segundo ele, há pessoas que realmente adoram o diabo cristão, aquele mencionado na Bíblia, e lhe fazem rituais, pactos de sangue e até vendem a alma. No Brasil, onde já existem grupos organizados como a Fraternidade Templi Satanis, no Rio de Janeiro, e a Igreja de Lúcifer em Porto Alegre (RS), os satanistas ainda se articulam para criar uma associação nacional.
Para o pastor e teólogo Jorge Videira, professor da Faculdade de Educação Teológica das Assembleias de Deus (Faetad), o satanismo moderno é bem distante daquele do imaginário popular, o das seitas ocultistas e missas negras. “No seu livro sagrado, a Bíblia Satânica, eles são orientados a não se declarar necessariamente anticristãos. Mas para eles, o diabo bíblico não existe, e o satanismo atua como uma força de resistência”, explica. Segundo ele, o pior está por vir. “Segundo a Bíblia, no fim dos tempos o amor de muitos esfriará. Após o arrebatamento da Igreja, o Anticristo vai governar em cima de uma religião que já se encontra presente entre nós”, diz, referindo-se ao quadro profético traçado pelo livro do Apocalipse.
Por outro lado, o pesquisador também enxerga uma apropriação indevida do conceito satanista em determinados casos. “Existem os bruxos, esotéricos e praticantes de magia”, enumera, esclarecendo que, em sua opinião, nem todos eles podem ser considerados satanistas na acepção normalmente atribuída ao termo, “bem como uma ramificação denominada Dabbles satânicos, que são grupos de adolescentes que se dizem satanistas e praticam rituais onde às vezes sacrificam gatos ou cachorros”, aponta. No entanto, tais práticas, no entender de Videira, estão muito mais ligadas ao culto à personalidade ou à pura imbecilidade do que ao chamado senhor das trevas.
De fato, fervem no mesmo caldeirão – com trocadilho, claro – do satanismo uma série de elementos que não necessariamente têm a ver com o príncipe das trevas. Até mesmo personagens de ficção, como o bruxinho Harry Potter, que arrasta multidões de crianças e adolescentes aos cinemas a cada um de seus filmes, ou a série Crepúsculo, que anda fazendo o maior sucesso no Brasil e no mundo, têm sido associados ao mal (ver quadro). Por outro lado, pastores e pais evangélicos sempre torcem o nariz para o Halloween, tradição americana cuja origem remonta ao paganismo dos antigos celtas e que tem ganhado apelo entre crianças e jovens brasileiros. A cada 31 de outubro, fantasias de diabo, duendes e feiticeiros saem dos armários, numa estranha fusão de brincadeira com ocultismo. Tenha ou não razão quem assim pensa, para os cristãos os ardis do maligno não são coisa com que se deva brincar. O pastor João Martinez, pesquisador, teólogo e presidente do Centro Apologético de Pesquisas Cristãs (CACP), lembra que a maior intenção de Satanás é justamente realmente fazer as pessoas acreditarem que ele não existe. “Na atualidade, o diabo pretende ser estratégico. Por que então iria lançar mão de semânticas desgastadas?”, questiona.
Já no entender do pastor Jayro Soares, teólogo sistemático da Escola de Pastores de Niterói (RJ), as pessoas hoje estão apelando para o satanismo para ter mais uma opção para suas vidas. “Esses estão em busca de si próprios. Enquanto o protestantismo trabalha com a verdade fundamental, os satanistas fazem um sincretismo religioso do culto ao prazer com o individualismo”, descreve. “Não ocorre mais aquela situação drástica de envolvimento com a magia negra. Esse movimento está mais vinculado ao que a gente recebe da mídia do que a satanistas propriamente ditos”, avalia.
Ataque à Igreja – Para muitos setores evangélicos, o satanismo ganhou visibilidade principalmente no período em que muito se falava em batalha espiritual, há coisa de 20 anos. Tornou-se um certo modismo encarar todo e qualquer contratempo na vida do cristão como uma oportunidade para demonstração de fé beligerante contra as hostes malignas. Foi a época de obras como Este mundo tenebroso, do americano Frank Perretti, que provocou alarme nas igrejas por enfatizar a realidade da ação do diabo em nossos dias. Outra que fez de suas obras um alerta contra o mal é Rebecca Brown, pseudônimo de Ruth Irene Bailey, autora de livros que ainda vendem muito, tais como Ele veio para libertar os cativos (1986), Prepare-se para a guerra (1987) e A pequena pobre bruxa. Este último alerta contra a infiltração de pessoas ligadas ao satanismo nas igrejas cristãs – uma antiga suspeita em que muitos crentes acreditam piamente, mas que jamais foi comprovada de fato.
Na visão da escritora, o satanismo é muito mais que uma mera forma de encarar as coisas ou uma contestação irônica aos dogmas das igrejas. “Os satanistas assumem enganosamente a profissão de fé cristã. Infiltram-se nas igrejas para disseminar ensinos e doutrinas falsas, porém, de grande aceitação”, diz num de seus livros. Já no Brasil, a pessoa considerada por seus seguidores como maior especialista em batalha espiritual é Neuza Itioka, apóstola do Ministério Ágape Reconciliação, em São Paulo. Ela defende que pastores e ministérios inteiros podem estar sob influência demoníaca. “A Igreja precisa de cura, de libertação. A nossa visão é que, assim como um indivíduo pode necessitar de libertação e cura, da mesma forma a saúde espiritual de uma igreja local precisa ser, em certos casos, restaurada”, declara, em seu livro A noiva restaurada (Editora Naós). Para Neuza, se o diabo age em estruturas sociais e políticas, pode muito bem fazer das suas no ambiente eclesiástico. Ela até postula uma tese polêmica, a de que mesmo crentes em Jesus genuínos podem ficar endemoninhados.
O pastor Natanael Rinaldi, coordenador do Instituto Cristão de Pesquisas (ICP), explica que é preciso diferenciar bem os três níveis de atuação dos espíritos malignos sobre as pessoas: a tentação, a opressão e a possessão. “O cristão pode ser tentado e até oprimido, mas dificilmente ficará possesso. Isso se o Espírito de Deus realmente estiver fazendo nele morada, conforme diz I Coríntios 9.19-20”, cita. Rinaldi diz ter certas reservas em relação ao envolvimento do satanismo moderno com todos os homicídios que são relatados como resultado de magia negra, mas não enxerga contradições entre a essência dos ritos satânicos tradicionais e a bruxaria. “A origem é a mesma. O apóstolo Paulo já nos adverte de que o diabo por vezes se disfarça de anjo de luz.”
“Satanismo quer passar imagem anarquista”
Ele está disposto a revelar a verdade sobre os bastidores do movimento satanista. Neo Montenegro usa este nome, fictício, porque se diz ameaçado por seguidores do diabo. Autor do livro Crimes satânicos (Editora Naós), ele conta que se deparou com as piores atrocidades que um ser humano pode cometer. Segundo ele, crianças, mulheres e até homens adultos aparecem em vídeos que são veiculados na internet, tendo seus olhos arrancados, pés e mãos amputados e sofrendo violência sexual. Até episódios de canibalismo fazem parte das cenas chocantes de vídeos snuffs (em que ocorre a morte dos protagonistas) que são retratados no livro.
FONTE; CAMINHO GOSPEL
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